Cariri é boa terra
De mulher bonita
De cabra bom no fuzi.
Mas em redor de uma légua
Tem cada filho de uma égua
Que nega até um piqui.*


Guariroba, jurubeba, baru, araticum. Frutos do Cerrado, que apesar de saborosos, não podem ser comparados ao piqui**. O sabor peculiar, o aroma, a cor e a forma de comê-lo são tão próprios que causam opiniões controversas. No melhor estilo ame-o ou deixe-o, o piqui desperta amores e rancores. Mas é sem dúvida uma unanimidade regional.

Também há piqui em outras regiões. Maranhão, Piauí, Mato Grosso, Minas Gerais, Bahia…, mas só “no Goiás” ele é filho ilustre, com direito adquirido de prato típico indispensável em qualquer mesa local há tempos. “Tribos indígenas já o consumiam muito antes das bandeiras paulistas devassarem o interior do País. Quando se fixaram as primeiras vilas e fazendas, integrou-se ao cardápio escasso dos sertanejos, que até hoje têm no piqui uma importante fonte alimentícia”, registra Bariani Ortencio, autor de Cozinha Goiana (editora Kelps).

Trata-se de uma fruta da família das cariocaráceas de casca grossa e verde escuro que abriga de duas a quatro sementes amarelas. Do tupi-guarani, pyqui, significa casca espinhenta (daí piqui, com i). Nome um tanto oportuno. Em Goiás se diz que “do pequi come-se a polpa e a amêndoa. Entre elas há os espinhos”. É preciso destreza.  Apesar de minúsculos, se ingeridos os espinhos podem causar um bom estrago na boca***.

Por isso, o jeito certo de comer piqui é com as mãos. De preferência as duas para os mais inexperientes. Não há espaço pra frescuras! Para saboreá-lo é preciso amor, paciência e parcimônia. Um ato de entrega à fatal lambança causada pela cremosidade da polpa amarelo-ouro.

 

Pequi pra que te quero

Muito calórico, o piqui tem na composição ferro, fósforo e cálcio. É rico em vitaminas A, C e E, e folcloricamente famoso por suas propriedades afrodisíacas e antiesterelizantes. “Na região do piquizeiro não há homem frouxo nem mulher que nunca pariu”, cita Ortencio. Serve como condimento, acompanhamento, tempero e, graças à sua composição, substitui a carne nas mesas menos abastadas. “Come-se o piqui puro, com arroz, frango, farinha e até leite”, descreve o autor.

Há ainda a semente, igualmente nutritiva e saborosa. Pode ser consumida crua ou assada. É a principal fonte oleoginosa da fruta. Além de condimento, seu óleo é também matéria-prima para o licor e base para paçocas salgadas de farinha na matula dos tropeiros.

Como todo bom fruto silvestre o pequi obedece a um ciclo produtivo curto, tendo seu auge entre outubro e novembro, quando dão os melhores frutos. Daí a origem dos óleos, licores, pastas e conservas para o consumo ao longo do ano.

Encontrar piqui em São Paulo não é tão simples. No mercado Municipal sempre há conservas de polpa e em pasta. Mas “in natura” somente em sacas no Ceagesp.

Como visto, tenho um caso de amor com o pequi. Gosto de roer as bolinhas carnudas e amarelas desde que a vida me deu dentes. Roer sim. Porque o pequi não se come, se rói.  Por isso, nada mais justo que homenagear a culinária goiana com esse clássico. Segue a minha receita de frango com piqui.

*Trova de autoria de Sr. Cavalcanti, da Associação dos Municípios do Estado de Goiás, quando numa visita a Pernambuco, na Feira de Cariri, avistou uma banca onde vendia pequis, quis pegar um, mas foi impedido pela dona.

**É também chamado de pequi, mas não lá no Goiás.

***folcloristas goianos dizem que em caso os espinhos penetrem na mucosa da língua deve-se passar azeite doce para que eles saiam. Ou lamber um chapéu de feltro (pois é!).

Mais sobre pequi aqui na ONG Central do Cerrado, de onde eu tomei emprestadas as fotos da fruta in natura.

Receitas com pequi

Frango com Pequi (ou piqui, como preferir)

 

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