Sabe quando sobra feijoada e já não se sabe mais o que tem ali de tanto que foi pescada? Então, aqui em casa pelo menos uma vez por ano tem essa sobra. Isso porque tradicionalmente temos a feijuca de aniversário do Gus e convidamos todos os amigos bons de garfo que temos. Faço pelo menos 60 litros de feijão com porco e tudo que resta é a raspa do tacho remexida. Quem tem amigo, tem tudo, menos feijoada.
Mas como raspas e restos nos interessam, especialmente pelo sabor que concentra, nós damos um jeito de aproveitar. Já fizemos bolinho, já fizemos caldinho. Até já reciclamos em uma nova e mini feijuca recorte de cadeia. Mas dessa vez nos superamos com a sobra em um glorioso Pasta e Fagioli.
Como o próprio nome indica, esta é uma receita de origem italiana. Pasta & Fagioli, pasta e fazool, massa e feijão. Um prato que tem como base ingredientes simples e baratos e por isso, de presença fácil nas mesas humildes dos camponeses. Restrito à família, geralmente era acrescido de sobras de carnes como pernil, pancetta, bacon (ou outros defumados), ou simplesmente nacos de ossos, para dar sabor.
É daqueles pratos que não tem receita certa. Às vezes aparece com tomate e outros vegetais, noutras só com o caldo do feijão encorpado e temperado. Mas a massa sempre deve ser miúda. A mais usada na Itália é o ditalini, que tem o formato de um mini tubinho, ou o chifferini que é um tubinho acotovelado.
Usei Orecchiette, porque era a menor massa que eu tinha em casa. E como é uma receita de reaproveitamento, não faz muito sentido comprar coisas pra agregar. Aliás, nem vale dizer que é uma receita:
– Eu apenas dei uma diluída com água na sobra da feijoada, separei o que restava de carne e desfiei.
– A parcas linguiças que restaram eu cortei em cubos pequenos para ficar proporcional à massa.
– Refoguei um pouco de cebola, talos de cebolinha, e alho em azeite de oliva. Depois juntei a raspa do vinagrete que acompanhou a danada.
– Deixei refogar até secar e juntei a feijuca diluída (é importante que esteja meio ralo o caldo, porque a massa vai engrossá-lo).
– Assim que ferveu, coloquei a massa para cozinhar no caldo. Um minuto antes do tempo de cozimento indicado na embalagem da massa, coloquei a couve picada (que também sobrou da festança).
– Desliguei o fogo, acertei o sal e salpiquei cheiro verde. Pronto! Mangia che te fa bene!
Eu não sou muito chegada a adaptações vegetarianas de pratos que levam carne na sua estrutura. Geralmente o resultado fica melhor quando a carne é um complemento e não o ingrediente principal, mas no caso da feijoada, aconteceu meio sem querer.
Em dia de feijoada em casa (minha mãe faz uma maravilhosa) eu acabava fazendo um feijão preto cheio de temperos e um molhinho de vinagrete de tomate e cebola bem apimentado pra jogar por cima. Isso porque sempre torci o nariz para feijoadas vegetarianas, cheias de proteínas de soja que mais parecem esponjas boiando no feijão e que não lembram uma feijoada nem em sabor nem em aparência.
Mas tudo mudou quando eu conheci o tofu defumado. É um ingrediente incrível e, para quem gosta de comparar, acredito que faça as vezes do bacon nas receitas. Fui trocando ideias com algumas pessoas, incluindo e tirando ingredientes e acabei chegando nesta versão que tem feito sucesso.
Essa receita começa com um passeio pelo bairro da Liberdade. Até hoje só encontrei o tofu defumado nos mercadinhos orientais de lá. No mesmo lugar também tem todos os outros ingredientes japoneses que irão nesta receita, como o konnyaku (leia “conhaco”) e o cogumelo shiitake. É, eu sei, feijoada com ingredientes japoneses soa estranho, mas o resultado é bem próximo do original, tem não vegetarianos que dizem até que fica até melhor! Konnyaku é uma espécie de batata originária do leste asiático, vendida em forma de gelatina. Ao ser cozida e triturada, adiciona-se soda ou cal à batata, fazendo com que o amido se gelatinize. O konnyaku é amigo das dietas de emagrecimento, quase sem calorias e sem carboidrato (e sem nutrientes) é também encontrado em forma de macarrão. Aqui nós vamos usá-lo porque queremos essa textura mole, mas consistente, que lembra diversos ingredientes da feijoada original.
Eu acho o molhinho de pimenta um dos mais importantes acompanhamentos da feijoada, então também coloquei a receita dele no final.
Ingredientes: Para a feijoada
– 500g de feijão preto
– 1 pacote de konnyaku
– 1 bandejinha de cogumelos shiitake picado em quartos (ou mais, se forem muito grandes)
– 1/3 de tofu defumado sabor pimenta calabresa
– 4 folhas de louro
– 1 cebola grande picada em cubinhos mínimos (brunoise)
– 3 dentes de alho picadinhos
– óleo de girassol
Para o molho de pimenta:
– 2 tomates picados em cubinhos pequenos
– 1 cebola média picada em cubinhos
– 3 colheres de sopa de vinagre de vinho branco
– 10 colheres de sopa de azeite
– ½ limão Taiti
– caldo da feijoada
– 2 colheres de sopa de salsa picada bem fininha
– pimenta malagueta e sal a gosto
Modo de fazer:
Cubra o feijão com bastante água (o dobro do volume) e deixe de molho por 8h ou de um dia para o outro.
Descarte esta água, cubra o feijão novamente com o dobro do volume em água e cozinhe com 2 folhas de louro numa panela de pressão por cerca de 40 min.
Enquanto isso, prepare o konnyaku. Corte em tiras de 1cm, lave bem e ferva 2 vezes, trocando a água a cada fervura. Este processo é importante para eliminar todas as impurezas que vem no produto.
Refogue a cebola no óleo com uma colher de sopa de sal. Junte o alho e refogue mais um pouco sem deixar que ele doure (pois fica com sabor amargo). Junte o feijão com o seu caldo, o tofu defumado, o konyaku e o shiitake e mais duas folhas de louro. Deixe a feijoada apurando, em fogo baixo, até que o caldo engrosse.
Enquanto isso, prepare o molho de pimenta.
Misture o sal com o vinagre até dissolver, junte o azeite e bata com um garfo ou fouet. Assim que o molho se tornar uma emulsão (ele vai engrossar), misture o restante dos ingredientes.
Sirva a feijoada com arroz branco, couve refogada, farofa e molho de pimenta.
*Marina Kawata é jornalista e especializada em gestão de empresas, mas é na cozinha que encontrou sua paixão. É vegetariana e acredita que a alimentação saudável é a chave para a saúde, desde que a comida seja gostosa!
A comida na música, a música na comida. Ninguém deve saber quem veio primeiro. Fato é que,volta e meia, as duas flertam e o resultado é harmonia pura. Pra inaugurar a categoria, vou complementar o post reportagem de ontem sobre feijoada, com o hino mais classudo do planeta, dele, o Chico – dispensa comentários – Buarque: Feijoada Completa.
“Mulher você vai fritar Um montão de torresmo pra acompanhar Arroz branco, farofa e a malagueta A laranja-bahia ou da seleta Joga o paio, carne seca, toucinho no caldeirão E vamos botar água no feijão”
Ah! E se você tiver alguma sugestão para o Comida Cantada, mande por email, Facebook, Twitter, comentário. O importante é compartilhar.
Engana-se quem pensa que a feijoada nasceu na senzala com os escravos que aproveitando os restos de porco desprezados pela casa grande. Conheça um pouco mais sobre a origem de um dos pratos mais famosos do Brasil nessa reportagem que fiz para o IG Comida: Samba, suor e feijoada.